Título: Tolerância mínima já estaria de bom tamanho
 
Reconhecido como um país de forte disciplina, planejamento minucioso e leis rígidas em favor da segurança individual e coletiva, o Japão conseguiu um dos mais espetaculares feitos na área de segurança de trânsito. Em apenas duas décadas conseguiu reduzir pela metade o número de mortos por ano, de 25.000 para 12.500. Grande parte desse sucesso se deu pelo diagnóstico preciso sobre o consumo de álcool como principal causa dos acidentes fatais, até hoje representando de 30% a 40% nas estatísticas mundiais.

O Japão tem tolerância zero contra bebidas alcoólicas. Lá só se pode dirigir sem nenhum traço de álcool no sangue e os passageiros no interior do veículo também se submetem ao teste do bafômetro em caso de acidentes graves, sendo co-responsabilizados. Há outros exemplos de rigidez. Na Itália, quem se recusar a soprar o bafômetro é considerado alcoolizado e se for motorista de caminhão ou de ônibus nunca mais poderá dirigir. Na Espanha, quem se recusa a fazer o este é preso no ato e também se for reprovado pelo bafômetro.

No Brasil com suas quase 50.000 mortes/ano (quatro vezes mais que o Japão que detém uma frota 2,5 vezes maior) o exame de bafômetro é obrigatório, em caso de suspeita de embriaguez do motorista. Aqui, cerca de 50% das mortes estão associados ao problema, mas há tendência do poder judiciário de apoiar a tese de que o teste é uma prova espontânea contra o culpado e só pode ser feito com sua concordância. Essa é uma polêmica sem sentido que precisa ser logo resolvida.

Bafômetros insuficientes
O Cesvi (Centro de Experimentação e Segurança Viária) acaba de iniciar a campanha “Pelo uso do bafômetro, sopre o risco para longe”, com uma longa reportagem em sua revista. O psicólogo Salomão Rabinovitch, presidente da Associação das Vítimas de Trânsito, Avitran, que está comemorando 15 anos de fundação, se insurge contra essas interpretações. “A foto de um radar, exames de DNA e até a revista pessoal também geram provas contra o suspeito”. Na realidade, mesmo afastados os óbices pseudo-constitucionais, o País não possui aparelhos suficientes. Quando muito são feitos 2.000 testes/ano, contra 624.000/ano na Inglaterra.

Nos EUA, teste do hálito
Apesar de enraizada cultura de liberdades civis, os EUA lidam com a recusa ao teste pela restrição à concessão de dirigir, já que a carteira de habilitação não é considerada um direito. Em alguns Estados, quem for pego bêbado ao volante só volta a dirigir com um aparelho que libera a ignição após o teste do hálito. Cerca de 40% de todos os acidentes nas rodovias americanas têm a bebida como primeira causa. Agora, o americano Dennis Bellehumeur patenteou um novo dispositivo acoplado ao volante que mede o teor alcoólico pelas alterações na pele do motorista e procura interessados em produzi-lo.
Há um projeto de lei na Câmara dos Deputados, já aprovado mas sem seguir adiante, que inverte o sentido da prova do suspeito de estar alcoolizado. As autoridades de trânsito, no entanto, precisam também se aparelhar e mostrar vontade de fiscalizar. Nem seria necessário tolerância zero. A tolerância mínima seria de bom tamanho.

Fernando Calmon – texto publicado em 22/07/2005, Jornal Absoluto
Colaboração de Lucila Costa, coordenadora regional de AE em Marília