Título: Amor
 
Com a incumbência de fazer um texto sobre o “amor” para nosso Informativo, de repente, no jornal de Campinas, Correio Popular de 06/11, bato os olhos neste artigo do Prof. Rubem Alves.

“Pior inferno é ver filho sofrer sem poder ficar no lugar dele”: foi assim que a Arlete, manicure que não acreditava na vida eterna, disse para Adélia. Verdadeiro. Quando penso nisso, mais vontade eu tenho de meter o bico nuns versinhos da Adélia: “Amor é a coisa mais alegre, amor é a coisa mais triste, amor é a coisa que eu mais quero”. Pois se eu puser “filho” no lugar que ela pôs “amor”, não fica verdade também? “Filho é a coisa mais alegre, filho é a coisa mais triste, filho é a coisa que eu mais quero...” A tristeza não está nos desgostos que os filhos dão aos pais. Desgosto dá não é tristeza, é raiva! Não é possível ter filho e não ter raiva dele de vez em quando. Tristeza mesmo é quando os pais não podem tomar o lugar deles no sofrimento. Pai quer sofrer no lugar do filho. O Vinícius, olhando seu filho adormecer, sentiu assim: “Eu, muitas noites, me debrucei sobre o teu berço e verti sobre teu pequenino corpo adormecido as minhas mais indefesas lágrimas de amor e pedi a todas as divindades que cravassem na minha carne as farpas feitas para tua...” Melhor remédio contra o ateísmo que filho doente não há. Não há ateu que cendo o filho doente em perigo de morrer não invoque os poderes do outro mundo...

Assim é comigo: meus filhos me obrigam a olhar para cima e invocar os deuses. Por que minhas asas são muito pequenas para cobri-los todos. E sei que chegará o tempo em que minhas asas terão voado para um lugar londe de onde não poderei protegê-los.
Pensei essas coisas porque minha filha Raquel vai fazer aniversário.
Nome de filho é feito bolso de menino: tem muita coisa guardada lá dentro. No meu bolso chamado Raquel há coisas alegres, há coisas tristes, há coisas bonitas. Enfio a mão no bolso e me lembro de uma menina de cinco anos filosofando, ao contemplar os espaços sem fim de Campos de Jordão: “Papai, as coisas não se cansam de ser coisas?” Só muito mais tarde vi o espanto da Raquel transformado num poema de Fernando Pessoa que dizia ter dó das estrelas, obrigadas a luzir sem parar sem nenhum descanso...

Enfio a mão de novo no bolso e tiro lá de dentro uma menina de 3 anos. É cedo de manhã. Seis horas. Ela me acorda. A pergunta que ela tinha para fazer ão podia esperar. “Papai, quando você morrer você vai sentir saudades...” sem nunca haver tido qualquer contato com a morte, ela sabia que nisso estava o seu horror: a saudade. Muitos anos depois, ao lado da cama de uma mulher que ia morrer, ela, sem ter ninguém com quem pudesse conversar sobre sua morte, me perguntou: “Rubem, será que eu saio dessa?” Ela sabia que não iria sair daquela. Então, por que me perguntava? É que ela queria conversar comigo sobre a morte. Não respondi. Fiz outra pergunta: “Você está com medo de morrer, não está?”. “Não”, ela respondeu. “Não estou com medo de morrer, estou com medo da saudade...” A Raquel, não sei por que sabedoria astral, sabia que o medo da morte não é o medo da morte; é o medo da saudade: ficar longe daquilo que se ama. Diante do meu silêncio espantado, a Raquel concluiu: “Não chore. Eu vou abraçar você”.

Tiro uma outra cena do bolso. Uma visita longa que não terminava nunca. Já estávamos cansados. A Raquel, que até aquele momento estava conosco na sala, saiu silenciosamente. Após alguns momentos retornou e disse às visitas num tom de tranquila franqueza: “Fui à cozinha, tive uma conversa com o relógio, e ele me disse que está na hora de vocês irem embora...” Ah que diplomata. Não era ela que desejava que as visitas se fosssem. Era o relógio...

Isso é tudo o que sinto e penso sobre o amor neste momento... Mas, sou tão diferente de Adélia Prado, de Rubem Alves!

Os sentimentos: alegria, dor, empatia, delicadeza, amor, param em meus olhos, minha garganta envolvem meu corpo, minha alma, viram olhares ou lágrimas, apertos de mão, abraços viram ação. Fazer coisas que confortam, aliviam, trazem solução. Quase nunca são palavras, jamais, poema, literatura...

Por isso, peça licença a todos e faço um texto sobre amor através de cada um de vocês: através deles, Adélia, Rubem...Através de você que ama, através de Nosso Senhor.

É Natal do Cristo, é em dezembro que comemoramos vida nova, verdadeiro amor.

Feliz Natal, amigos!
Amor!

Mara Silvia C. de Menezes, presidente do Conselho Deliberativo da Febrae
Colaboração de Lucila Costa, coordenadora regional de AE em Marília