Título: O amor move montanhas?
 
Vivemos totalmente imersos na crença inabalável da onipotência do amor e por essa orientamos e educamos nossos filhos. Essa ilusão é difícil de abalar, pois está ancorada no dogma de que o “amor”, a “fé no amor” move montanhas.

Com muita frequência, encontro pais tomados por remorsos quando alguma situação os leva a usar um tanro de severidade perante certo comportamento do filho. Usar autoridade, ficar bravo, levantar a voz aparecem como geradores de traumas de consequências imprevisíveis. Não importa a gravidade do que é indispensável interromper – o remorso aparece com a fantasia de que talvez um olhar mais brando ou uma mão na cabeça poderiam ser igualmente úteis. É aí que vem a dúvida e o remorso. Paira no ar o sonho de que a paciência infinita, uma voz que jamais se altera, aceitação incondicional fariam filhos mais felizes e que jamais teriam de fazer confronto com os pais. A fantasia do amor onipotente traz esperanças de que crianças que crescem e amadurecem sem memórias traumáticas serão superseres, que jamais rejeitarão os pais e terão a maior gratidão pelo mar de rosas sem espinhos que a família foi capaz de lhes ofertar. Isso, que parece ser uma situação paradisíaca, é impossível, deixa um vazio onde, desde muito cedo, deveria estar sendo treinado um leque de aptidões. Exemplo: a arte da negociação por meio de diálogo e de trocas. Sem saber negociar, é difícil, se não impossível, relacionar-se com a sociedade. É no toma lá da cá entre adultos e crianças que se desenvolvem as cpacidades de luta, de esquiva e da aproximação. A negociação é um caminho, não só entre dois lados, mas que também deve ocorrer dentro da gente. Devemos ser capazes de perceber que o outro – professor, colega, leis, catracas, montanhas, inimigos, seja lá o que for tem sua própria dinãmica e é com essa autonomia que o outro tem, que vamos nos haver na vida.

Então, será que estou dizendo que a relação pais e filhos deve ser uma eterna batalha? Nem tanto ao mar, nem tanto a terra. Nem tudo vale o confronto. Temos que treinar nos jovens a capacidade de avaliar. Isso só acontece por meio do pensar. Quando uma mãe cede, é importante que ela deixe bem claro que preferiria que fosse diferente, mas, como as consequências não são graves, ela está cedendo. Os porquês devem ser explicitados: o garoto quer chupar o pirulito fora de hora, mas, como ainda faltam duas horas para o jantar, a mãe deixa e diz o porquê. Não deixaria se fosse mais perto da refeição. Diálogos simples vão ensinando, passo a passo, a pensar, ceder, impor, enfim, vão transmitir a idéia de que concordar ou discordar não precisa ser arbitrário. Muitas vezes, não dá para ceder. Crianças e jovens frequentemente só querem testar a froça do tal amor ou a força do argumento/pensamento. E aí é chegada a hora de lançar mão de autoridade. Não é raro tolher e ser tolhido pelos acontecimentos da vida. Negociar não quer dizer vencer sempre. A vida é cheia de riscos, bem sabemos todos nós.

Em outros tempos, os pais eram, por incrível que possa nos parecer hoje, um bocadinho mais modestos. Em dados momentos, aceitavam não serem capazes de dar conta do recado e delegavam uma parte da responsabilidade da formação dos filhos às instituições da sociedade civil. Cito algumas delas sem, contudo, estar pedindo o seu retorno ou defendendo os métodos por elas usados. Elas atenderam a algum tipo de necessidade e estão praticamente em desuso, sem estarem sendo eficientemente substituídas. Deve haver razão para que essas instituições, que cito morrendo de medo, não exitam mais ou estejam agonizantes. Internatos, associações de escoteiros, instituições religiosas etc. complementavam as funções da família. E os pais aceitavam esta ajuda.

Anna Verônica Mautner (Publicado na Folha de S. Paulo em 06/10/2005)
Colaboração de Lucila Costa, coordenadora regional de Amor-Exigente em Marília