Título: Yom Kipur
 
Marcos L. Susskind

Yom Kipur, que neste ano vai do por do sol de 01/10 até o por do sol de 02/10, é a data máxima do Calendário Judaico. É observado no décimo dia após o ano novo judaico (Rosh Hashaná). Estes 10 dias são chamados de Yamim Noraim (Dias Terríveis) – um período de penitência e oração concedidos aos judeus do mundo inteiro para que se arrependam dos seus pecados e peçam o perdão de Deus.

Yom Kipur é um dia de reflexão, jejum, orações e penitência, purificação e perdão. É conhecido universalmente como o Dia do Perdão, quando os homens buscam se apresentar frente a Deus livres de pecados, em harmonia. Um dia inteiro dedicado à alma, à oração.

Na tradição judaica, Deus tem o poder de perdoar as transgressões que o Homem tenha feito perante o Senhor. No entanto, quando um homem peca contra seu semelhante (ex.: ofendendo, maltratando, humilhando, diminuindo ou cometendo injustiças) Deus não tem o poder de perdoa-lo. Transgressões entre o homem e seu semelhante requerem que se corrija o erro e se peça perdão pelo prejuízo acarretado. Somente então é que pedimos desculpa a Deus por ter ofendido nosso semelhante. Daí nasce a tradição que todo judeu, nos dias que antecedem ao Dia do Perdão, peça desculpas por seus erros às pessoas com as quais tem relacionamento.

A parte essencial do serviço é a Confissão dos Pecados – toda feita no plural, com um texto de transgressões em ordem alfabética. Isto vem nos ensinar que somos “entrelaçados”, responsáveis uns pelos outros. Mesmo se não cometemos uma determinada ofensa, carregamos certa responsabilidade por aqueles que a fazem – especialmente se tivesse sido possível evitar tal transgressão. Espera-se a piedade Divina, não por nossos méritos, mas pela absoluta compaixão do Senhor, que esperamos há de perdoar ao invés de punir. Uma das leituras feitas em todas as Sinagogas (casas judaicas de oração) provêm do Profeta Isaías que adverte que o jejum só será efetivo se acompanhado por justiça, atos de caridade e um coração quebrado e arrependido por seus erros.

O processo de perdão envolve a Teshuvá, Arrependimento ou “retorno” da transgressão. Para que o processo seja completo é necessário: (1)reconhecer nosso erro; (2) confessar o pecado; (3)arrependermo-nos; (4)decidir não repetir o pecado e (5) confrontado com a situação que nos levou a pecar, não voltar a fazê-lo. São estas, em resumo, as idéias de Maimônides aceitas pelo Judaísmo.

Samsom R. Weigs, estudioso do Judaísmo diz que este processo de retorno aproxima os que estavam afastados do senhor. É uma experiência ilimitada, sincera e profunda. Antes, como pecadores e transgressores eram errados, censurados e abominados; agora, feito o processo, são amados, próximos e abrigados por Ele (Maimônides: Leis do Arrependimento 7:6). Portanto o passado não governa o futuro. O Homem tem o poder de romper as amarras do mal e mudar para melhor, escolher o bem, a justiça, o respeito a Deus e a seu semelhante.

A anulação do passado é o cerne do Teshuvá (Arrependimento ou Retorno). Afastar-se de hábitos e vícios; de luxúria e enganação; da crueldade e do desprezo com uma força e intensidade pelo menos igual àquela força que o levava a errar. Teshuvá é um renascimento, um processo pelo qual re-examinamos todos nossos atos, refletimos sobre eles, decidimos cessar os erros e corrigimos o que é possível e tomamos a firme resolução de agir de uma nova forma. Este momento é tão grande que o Judaísmo crê que no momento do verdadeiro arrependimento o Homem está mais perto do Criador que nunca !

O tema central de Yom Kipur (e dos Dias de Arrependimento que o precedem) é o reconhecimento e a aceitação do reino de Deus. O Homem é testado para que possa realizar plenamente seu potencial, possa ganhar força para reconhecer e agir entre os impulsos do bem e do mal, usando do livre-arbítrio. É através do uso de sua liberdade que o Homem decide se será parceiro de Deus na criação, melhorando a si mesmo e o mundo ao seu redor.

Yom Kipur é o exemplo maior, dentro do Judaísmo, de que enquanto estivermos vivos, podemos mudar, abandonar o caminho do mal, do pecado da injustiça, elevarmo-nos hoje mais alto do que estávamos ontem. Não faremos isto por medo da punição nem para escapar do julgamento, mas por reconhecermos a verdade, a justiça e a aspiração a um mundo melhor, fruto que somos da Criação. Em Yom Kipur nos reconhecemos como tendo sido criados à semelhança do Todo Poderoso, com a capacidade de fazer o bem, fazer o certo, promover a justiça social e a pureza humana.

Nas orações de Yom Kipur, o judeu repete diversas vezes que “o Senhor não deseja a morte dos ulpados, mas sim que ele retorne de seu caminho, corrija-se e viva...”. O judeu não pode buscar escapar da justiça, mas deve buscar a chance de evitar a punição por seus méritos. Ao nos identificarmos com os propósitos divinos, podemos pedir e esperar que nos sejam concedidas bênçãos e a vida, pois estamos entrando em julgamento, pedindo ao Senhor por piedade.

O Ser Humano, no Judaísmo, é constituído por duas forças: o yétzer hatóv (inclinação para o bem, identificado pela alma que é boa)e o yétzer hará (impulsão de seguir os instintos, que corresponde ao corpo). Yom Kipur vem para nos lembrar de “sincronizar” nosso corpo com a inclinação para o Bem. O Talmud (um dos livros sagrados judaicos) faz uma interessante analogia entre um cavalo e um cavaleiro de um lado, e a alma e o corpo de outro. É sempre melhor o cavaleiro estar em cima do cavalo. Da mesma forma, é sempre melhor que a inclinação pelo Bem esteja sempre acima dos Instintos.

O Dia do Perdão é a data em que Deus dá o julgamento inscrevendo em um livro o destino de cada Ser Humano. Por isso, o cumprimento típico deste dia é “Que sejas inscrito no livro da Vida”.

Marcos L. Susskind é membro do Grupo Tikvá de São Paulo e presidente do JACS-Brasil.
Colaboração: Lucila Costa coordenadora regional de Amor-Exigente.