Título: A Experiência do Julgamento
 
“Por favor, seja paciente comigo. Deus ainda não me terminou. Não me julgues pelo que vou dizer-te. Você não sabe o que eu tive que enfrentar para chegar até aqui. Por favor ouça-me sem precisar ter pena de mim. Apenas ouça-me e não me julgue”.

Após uma palestra falando sobre comportamento e como funciona um grupo de auto-ajuda do Amor-Exigente, um casal veio falar comigo.

Na verdade, eu já esperava que este casal viesse falar comigo. Como eu sabia? Depois de certo tempo em que você começa a falar com as pessoas, principalmente quando você está falando para uma platéia, você começa a prestar atenção nas pessoas e percebe quando, o que você está falando, de alguma forma, alguém está sentindo que é para ela.

E enquanto eu falava sobre como as pessoas gostam de julgar as outras pessoas, mesmo sem saber sobre o que está levando esta pessoa a tomar algumas atitudes, gostamos de comparar com a nossa realidade e parece que fica fácil julgar o outro.

E este casal veio em minha direção, ela com os olhos vermelhos, pois tinha chorado enquanto eu falava, e perguntou:

-Sérgio, tem alguns minutinhos para conversarmos?

A pergunta parecia mais uma súplica do que um simples pedido por alguns minutinhos. No tom da voz eu consegui perceber a angústia que aquele casal estava passando. Eu queria poder parar o tempo naquele instante não estar num lugar com mais pessoas e poder dedicar este tempo que estavam suplicando.

Pedi licença para as outras pessoas e fui para outra sala com este casal. Quando sentamos, os dois começaram a chorar de forma tão “dolorida”, que foi impossível não me emocionar. Após alguns minutos, eles começaram a falar:

-Sérgio, estamos passando por uma situação muito complicada em nossa casa. Temos um filho de 14 anos, filho único, que está envolvido com drogas. Já nos roubou vários pertences e não quer mais estudar. Chega me casa a hora que quer e trocou o dia pela noite. Sai todas as noites e dorme durante o dia. Estamos sentindo que perdemos o nosso filho. A nossa relação está tão desgastada que estamos pensando em nos separar. Estamos nos sentindo sozinhos. Todas as vezes que buscamos ajuda, as pessoas nos chamam de moles, que somos culpados pelo que está acontecendo com o nosso filho. Que não soubemos ser pais verdadeiros. Por isso desistimos de pedir ajuda. Cansamos de ser apenas julgados pelo que o nosso filho está fazendo. Você é a última tentativa. Por favor, ajude-nos.

Eu tenho a certeza de que muitos que receberão este texto já passaram por uma situação parecida. Eu tenho a certeza de que nos grupos de Amor-Exigente, invariavelmente passamos por situações assim.

E o motivo de escrever sobre este tema é justamente pela importância que ele representa não apenas para nós do Amor-Exigente, mas para qualquer pessoa que é escolhida para ouvir um clamor deste tipo.

Talvez o mais difícil seja colocar-nos no lugar de quem está com o coração dilacerado pela dor da traição.

Imaginem a coragem e o desespero que alguém precisa estar passando para procurar alguém e abrir o seu coração. Contar sobre a sua dor, sobre a sua vergonha e humilhação.

Ele está dizendo-lhe:

-Preciso que você me escute, para que possa entrar em meu mundo e conhecer quem eu sou realmente. Eu estou me sentindo um fracassado. Por favor, não diga que o meu problema é um grande problema. Eu preciso partilhar o que estou sentindo. Agora, por favor, não me julgue. Estou cansado de julgamentos. Deixa-me falar um pouco, chorar um pouco e desabafar sobre este momento que teima em não querer passar.

Ora amigos de caminhada, não devemos minimizar a dor do outro e muito menos interrompê-lo para colocar um conselho. Deixe-o falar. Empreste o que você tem de mais importante neste momento: o tempo e a dedicação.

Quando julgamos, colocamos quem nos procurou num interrogatório com o claro objetivo de identificar culpados e inocentes, quando não existe culpa e sim responsabilidades.

E olha que nós já sabemos que a culpa paralisa a pessoa uma vez que ela fica presa ao passado tentando mudar algo que já passou. Ao contrário da responsabilidade que joga a pessoa à ação.

Peço desculpas se este assunto não lhe diz respeito ou que você não julga ninguém que o procura para desabafar. Porém, acredito que o tema é por demais importante uma vez que a realidade nos mostra que o tempo é uma questão de prioridade. E parece-nos que a prioridade não tem sido o dedicar-se as pessoas.

Por isso amigos, quando eu faço a abertura da reunião eu pergunto quem está chegando pela primeira vez e digo:

-Quero dizer-lhe que você está no lugar certo e com as pessoas certas. Sei o quanto você teve que enfrentar para chegar até aqui. Não é fácil passar pela porta e ter que vencer a vergonha, a humilhação e a coragem de abrir o coração. Sei da tua dor e gostaria de dizer-lhe que você nesta noite é a pessoa mais importante para todos nós que aqui estamos. Todos que aqui estão um dia chegaram da mesma forma que hoje você está chegando. E hoje vamos te oferecer o que temos de melhor: o nosso ombro, para que possas encostar e sentir-se acolhido; o nosso ouvido para que possa falar e o nosso coração, para que você possa desabafar sem o medo de ser julgado.

“No tempo de qualidade, não há escassez de tempo e um mundo de gente em volta de você. A qualidade do tempo regula a qualidade do escutar. E a qualidade do escutar afeta diretamente a do partilhar.”

Sérgio Carlos de Oliveira Casagrande, coordenador de Amor-Exigente em Santa Catarina
Colaboração de Lucila Costa, coordenadora de Amor-Exigente em Marília